Já que o assunto de hoje são os créditos de emissão de carbono, mais uma da Veja (desta semana). Entrevista com o presidente da Alcoa Internacional: Alain Belda.
Veja – No mês passado, o presidente americano George W. Bush anunciou o objetivo de reduzir em 20% o uso de combustíveis derivados de petróleo nos Estados Unidos. Isso é suficiente para combater o aquecimento global?
Belda – Visto que é a primeira vez que Bush fala no assunto, trata-se de um bom sinal. Se a redução proposta é suficiente é outra questão. Na verdade, foi mais um gesto político de Bush, que estava respondendo às pressões da indústria automobilística e dos produtores de milho (com o qual, nos Estados Unidos, se produz biocombustível). O que importa é que o jogo começou. O Congresso e o Senado americanos comprometeram-se a aprovar neste ano uma legislação tratando da redução das emissões de gás carbônico.
Veja – No dia anterior ao discurso de Bush, a Alcoa e outras nove empresas pediram medidas concretas do governo americano para reduzir as emissões de carbono. Por que tomaram essa iniciativa?
Belda – O mundo todo tem a perder com o aquecimento global. A principal razão pela qual essas empresas se reuniram está relacionada à idéia de que é necessário estabelecer regras claras sobre como se vai solucionar o problema do efeito estufa. Só assim as empresas conseguem se preparar adequadamente. Não podemos ficar esperando para definir nossos investimentos. Caso contrário, uma companhia com planos de construir uma fábrica não sabe se deve comprar um forno a gás, a óleo combustível ou a eletricidade. Complica tudo. Também queremos assegurar que essas medidas não sejam tímidas, no sentido de serem só incrementais. O assunto precisa ser tratado com mais agressividade. Os Estados Unidos têm grande capacidade de dar respostas tecnologicamente avançadas a crises desse tipo.
Veja – O que deve ser feito para reduzir as emissões dos gases que aceleram o efeito estufa? Belda – A principal proposta é adotar o que em inglês é chamado de cap and trade (limitar e comercializar). Por esse sistema, define-se o total de gás carbônico que um setor ou o país inteiro pode emitir. Em seguida, permite-se que as empresas comprem créditos de carbono daquelas que reduziram as emissões mais do que o necessário. Com isso, permite-se que as companhias com maior facilidade de redução imediata se beneficiem. Por outro lado, aquelas que só podem resolver o problema a longo prazo ganham tempo para planejar e desenvolver a tecnologia adequada. Tudo isso com o país se beneficiando da redução real e imediata da poluição. É um sistema que funciona nos Estados Unidos com a emissão de enxofre, por exemplo, para evitar a chuva ácida.
Veja – O corte de emissões de carbono proposto pelas companhias é suficiente para desacelerar o aquecimento global?
Belda – A idéia é que, se começássemos agora, seria possível reduzir as emissões de carbono em 15% até 2016, chegando a 2050 com uma redução de quase 50%. Isso seria suficiente para retroceder as emissões em nível internacional. Outros países teriam de participar também. A verdade é que os Estados Unidos não podem ficar esperando pelos outros países. Temos de começar já, e o país mais rico do mundo precisa dar o exemplo.
Veja – Investir no meio ambiente é bom negócio?
Belda – Em toda mudança tecnológica do tipo que estamos tratando há os beneficiados e os prejudicados. Por outro lado, a economia como um todo beneficia-se de toda essa atividade. Criam-se empregos, pesquisas em universidades e novos investimentos nos setores produtivos envolvidos. Sobretudo se as soluções envolverem o desenvolvimento de tecnologia de ponta, abre-se a possibilidade de negócios lucrativos.
Veja – Como uma empresa pode lucrar com isso?
Belda – As companhias que constroem usinas nucleares, por exemplo, finalmente podem convencer todo mundo de que a energia que elas produzem tem seus riscos, mas é fruto de um processo limpo. O dilema sobre o que fazer com o lixo atômico é uma questão menor comparada com o dióxido de carbono que as termelétricas a carvão lançam na atmosfera. Hoje em dia, 40% da energia do mundo é produzida pela queima de carvão. A única solução é injetar os gases poluentes em poços subterrâneos de petróleo vazios. A eficácia dessa tecnologia, no entanto, ainda não foi totalmente comprovada.
Veja – Algumas empresas estão reduzindo suas emissões espontaneamente. O que pesa mais nessa decisão: a percepção de que isso pode dar retorno a longo prazo ou a possibilidade de fazer o papel de bom moço para a sociedade?
Belda – Nenhum dos dois. Veja o caso da Alcoa: entre 1990 e 2005, nós reduzimos em 25% nossa emissão de gás carbônico no mundo. Tomamos essa decisão porque sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, teríamos de fazê-lo. É muito melhor fazer as mudanças necessárias enquanto temos o controle do processo na mão. Isso significa antecipar a legislação. A grande jogada em questões ambientais é, primeiro, reconhecer que existe um problema. Segundo, antecipar-se à regulamentação do assunto, resolvendo-o você mesmo. E, terceiro, à medida que são instalados os equipamentos novos, adequar os investimentos à tecnologia que existe e às últimas tendências na área de meio ambiente. Sai muito mais barato, a longo prazo, antecipar esses investimentos do que deixar para fazer depois, quando a regulamentação do governo entrar em vigor. Não é uma questão de ser bonzinho, mas de ser mais eficiente e entender para onde vai a regulamentação. Em termos econômicos e de antecipação de custo, isso é muito melhor do que correr para consertar o que já foi feito.
Veja – Alguns estados americanos têm adotado suas próprias leis de redução de emissão de carbono. Isso é bom?
Belda – Não. Começa-se a ter uma regulamentação diferente para cada estado. Isso desperta incertezas e dúvidas no empresário: "Instalo minha fábrica neste estado ou no outro?", "Devo tirar a fábrica que tenho neste estado porque do lado de lá da divisa a lei é mais adequada à minha tecnologia?". O ideal é ter uma regulamentação única dentro do mesmo país.
Veja – Nos Estados Unidos as empresas estão à frente do governo na preocupação com o aquecimento global. Na Europa ocorre o inverso. Por que essa diferença?
Belda – O confronto entre o Estado e as empresas é uma tradição americana. Já na Europa e no Brasil a praxe é os empresários esperarem que o governo tome a iniciativa. Nos Estados Unidos partimos do princípio de que o Estado é necessário, mas a responsabilidade é das empresas. É por isso que os Estados Unidos têm tanta ação social privada e organizações não-governamentais. Isso explica o alto nível de contribuição das pessoas físicas e jurídicas para a sociedade. A preocupação das empresas americanas com o trabalho social não atinge a mesma dimensão na Europa. Essa filosofia está na base da formação dos Estados Unidos.
Veja – Na sua opinião, houve uma mudança na percepção dos empresários e da opinião pública em relação às causas das mudanças climáticas?
Belda – Existe uma mudança na consciência geral sobre o tema. As pesquisas comprovam que há um aumento na quantidade de gás carbônico no mundo. Não se pode ainda ligar o aumento do CO2 às condições climáticas, mas é evidente que a alta concentração desse gás na atmosfera decorre da atividade humana. É um fenômeno de grande impacto. Há um consenso crescente de que é preciso controlar as emissões de gases poluentes mesmo antes de se ter a confirmação definitiva de que eles são os responsáveis pelas mudanças climáticas. Precisamos agir assim porque, quando se tiver a confirmação, não haverá mais tempo para reverter o processo. Por isso, os políticos finalmente concluíram que a falta de ação acabará por sair mais caro. Acredito que neste ano já devem ser adotadas medidas para o controle eficiente das emissões de gás carbônico. Como tudo na vida política, o processo é demorado. Basta olhar os resultados do Tratado de Kioto. Apesar de tudo ter sido assinado bonitinho, o tratado não foi regulamentado quase em lugar nenhum.
Veja – Os Estados Unidos deveriam aderir ao Tratado de Kioto?
Belda – Não. O Tratado de Kioto já está morto. Um novo pacote de medidas para reduzir as emissões globais terá de ser desenvolvido.
Veja – Até que ponto o Brasil pode lucrar com a tecnologia do álcool combustível?
Belda – O álcool combustível é apenas mais uma das soluções para reduzir as emissões de carbono. Além do álcool, será preciso investir em energia solar, eólica, nuclear, carvão com injeção subterrânea, entre muitas outras. O álcool não resolve, por exemplo, o problema da energia nas indústrias. Mesmo como solução para o automóvel, o etanol serve para o Brasil, talvez para a África, mas a quantidade necessária para substituir a gasolina por álcool em um país como os Estados Unidos é inviável. O Brasil tem tecnologia excelente nessa área, uma produção competitiva de açúcar, instalações apropriadas e vai ser, sem dúvida, um exportador desse produto. Mas o fato é que hoje ninguém tem a exclusividade desse conhecimento.
Veja – Quantas toneladas de gás carbônico a Alcoa emite por ano?
Belda – Em 2006 as emissões da Alcoa no mundo todo foram de 34,4 milhões de toneladas de gás carbônico. A produção de alumínio, no mundo inteiro, é responsável por 1% da emissão global de carbono, incluindo as fontes energéticas necessárias para o processo. A Alcoa lidera o setor com 18% da produção mundial. Graças ao aumento dos índices de reciclagem e à crescente utilização do material na indústria de transportes, tornando os veículos mais leves, estima-se que, a partir de 2015, o alumínio será neutro em termos de emissão de gases causadores do efeito estufa. Isso porque, na reciclagem de sucata de alumínio, são utilizados apenas 5% da energia que foi necessária para fabricar o alumínio primário, a partir da bauxita. Além disso, estamos investindo 200 milhões de dólares em um processo de produção de alumínio que não emite gás carbônico. Todo o nosso investimento tecnológico é feito com o objetivo de nos tornarmos livres de carbono.
Veja – Na sua opinião, quais são os pontos positivos e os pontos negativos do plano de crescimento econômico apresentado pelo presidente Lula há três semanas?
Belda – Encontrei com o presidente Lula em Davos, na Suíça, onde participamos de uma palestra. No debate, abordei a seguinte questão: institucionalmente, o Brasil fez grandes progressos em macroeconomia. Hoje, todo o mundo fala a mesma língua no que se refere a manter a estabilidade macroeconômica. Estamos agora chegando à fase micro. Trata-se de levar as macropolíticas para baixo, para a execução. Sair do discurso e executar o que foi proposto no seu nível mínimo. Para isso, é preciso ter uma máquina eficiente de governo. Essa fase é muito mais complicada. O Brasil tem capacidade de fazer isso.
Veja – O plano apresentado contempla essa necessidade?
Belda – Está na direção certa. O problema agora é a execução, que requer experiências que nós não fazemos na velocidade e com a competência necessárias. Sou, no entanto, otimista em relação às iniciativas do governo Lula neste segundo mandato. Em 1979, o ano em que assumi a presidência da Alcoa no Brasil, o líder sindical Lula liderou uma greve em Poços de Caldas contra a companhia. Agora, 28 anos depois, Lula é o presidente do Brasil e eu o chairman e CEO da Alcoa Inc. Essa história diz muito a respeito do Brasil, suas oportunidades e também seus desafios.
Veja – Muitos empresários reclamam da burocracia brasileira para a aprovação ambiental de obras de infra-estrutura, como as hidrelétricas. De que maneira isso atrapalha o crescimento brasileiro?
Belda – Isso adia o crescimento econômico, porque resulta em atrasos de processos e insegurança para o investimento, em geral de longo prazo. No Brasil, a área de energia elétrica tem sido complicada. Mesmo depois de o governo ter aprovado um projeto e de todas as regras terem sido cumpridas, há um setor da sociedade contra a energia elétrica, contra empresas estrangeiras e contra barragens que toma medidas para atrapalhar as obras, invadindo áreas, sem o Estado tomar posição. Isso atrasa e encarece o projeto. Um país pode perfeitamente crescer com respeito ao meio ambiente
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
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3 comentários:
Cometário do Jorge (o Tanure!) a respeito da fala do Belda sobre a neutralidade da produção de alumínio (reforçado no texto acima): " reciclagem do alumínio está ajudando a neutralizar as emissões de CO2 no processo de produção, mas por traz disso po que existe é trabalho escravo. No Brasil é diferente de países da Europa por exemplo, que existe uma consciência verde, as pessoas dão a destinação correta para a latinha de alumínio" No Brasil fica por conta dos catadores, que trabalham como escravos a "cata" de latinhas...
Danielly, sugiro a leitura do livro "Capitalismo Natural - Criando a Próxima Revolução Industrial", uma referência muito interessante sobre o real valor do meio ambiente no nosso dia-a-dia.
Algumas perguntas interessantes que o livro propõe: Qual o custo do O2 que teria sido produzido por uma árvore que foi derrubada?
Qual o real custo ambiental de um carro movido a gasolina?
Qual o nosso custo como pessoas vivendo nesse mundo?
E quais as respostas, Marcel?
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