domingo, 23 de dezembro de 2007

Olha o que as cidades vão virar

Além de aceitar que o ruído é um mal necessário para o desenvolvimento das cidades, acham que quem quer silêncio que vá morar numa fazenda!!! Quem pode, pode né?

Estado de Minas, 21_12_07

Silêncio sem exagero
Vereadores aprovam projeto para substituir a rigorosa Lei do Silêncio em vigor na capital, inviabilizando até mesmo pequenos negócios e realização de programas culturais
Fábio Fabrini

Juarez Rodrigues/EM
Depois de muito bate-boca, os parlamentares entenderam que as regras prejudicavam a cidade cultural e economicamente
Depois de 10 meses causando barulho, a polêmica e rigorosa Lei do Silêncio foi sepultada ontem pela Câmara Municipal de Belo Horizonte. Os vereadores aprovaram, em segundo turno, projeto de lei que substitui as regras em vigor, consideradas tão restritivas que impedem a realização de eventos culturais na cidade e obrigam até dono de açougue a requerer licença ambiental para abrir as portas. O texto foi enviado em 4 de outubro pela prefeitura, pressionada pelos transtornos causados pela legislação, e votado em tempo recorde. Caberá ao prefeito Fernando Pimentel (PT), quando voltar de férias, no início de janeiro, sancioná-lo. Mas a autora da lei, Elaine Matozinhos (PTB), não se dá por vencida e promete questionar as novas normas na Justiça. O debate consumiu cerca de duas horas da penúltima reunião legislativa do ano e foi marcada pelo bate-boca entre vereadores. Enquanto a maioria, inclusive os que aprovaram a lei em fevereiro, discursavam contra o rigor, Elaine Matozinhos recorria a artifícios regimentais para atrasar a apreciação do texto. Ela chegou a pedir que os colegas vestidos de calça jeans se retirassem – pela regra, só se admite traje social –, o que obrigou a líder de governo, Neusinha Santos (PT), a vestir, às pressas, o vestido de uma assessora. Além disso, pediu que todos os artigos votados em destaque e emendas fossem lidos pela Mesa Diretora. Uma delas, de autoria da própria Matozinhos, tinha oito páginas e fez com que vários vereadores se retirassem do plenário, irritados. O presidente da Câmara, Totó Teixeira (PR), tinha dificuldade para comandar a reunião. Ora acatava as exigências, ora endurecia com a vereadora. Contrariada, ela o chamou várias vezes, aos gritos, de “ditador”. Totó chegou a cortar o microfone para interromper a petebista, que disparava também contra os demais, classificando-os de criminosos e subservientes à prefeitura. Sobrou até para o prefeito Fernando Pimentel (PT), chamado de “garoto-propaganda de shopping”. A vereadora diz que vai entrar com ação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) ou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação da votação pela forma como o projeto tramitou e foi aprovado. Ela acusa o relator do texto na Comissão de Política Urbana, Wellinton Magalhães (PMN), de falsidade ideológica, por escrever em parecer que uma emenda em tramitação havia sido retirada. Também denuncia falta de assinatura em documentos e a realização de reuniões de comissão às pressas, sem convocação. “Estou indignada e envergonhada. Esta Casa está matando a população de estresse, infarto e perda de memória. É de estarrecer votar essa coisa imoral”, bradou, acusando Totó Teixeira de rasgar o regimento interno na condução da plenária e prometendo pedir intervenção do Ministério Público e até da Organização das Nações Unidas (ONU). “A cidade não pode fechar as portas e entregar as chaves a uma vereadora. Essa lei é a lei da mordaça”, rebateu Neusinha Santos, acrescentando que as novas regras preservam a saúde do belo-horizontino, sem prejudicar o funcionamento de BH. “Quem quer viver em sítio deve ir para a roça. Esta é a capital do segundo maior colégio eleitoral do país”, alfinetou. A Lei do Silêncio foi aprovada em fevereiro, mas só em agosto começou a vigorar. O texto não foi sancionado pelo prefeito, mas a Câmara derrubou o veto. A prefeitura chegou a conseguir liminar judicial contra a aplicação, mas a decisão foi derrubada. O nível de ruídos admitidos na cidade diminuiu e as multas aplicadas a infratores cresceram. A secretária municipal de Meio Ambiente, Flávia Mourão, explica que a lei não especifica bem quais estabelecimentos são potencialmente poluidores, o que obriga à exigência de licenciamento para concessão de alvarás até para consultório de dentista. “Às vezes, por causa de um ar-condicionado, o empreendedor é obrigado a enfrentar a burocracia”, afirma. De acordo com o projeto aprovado ontem, admitem-se até 70 decibéis entre as 7h e 19h. Das 19h às 22h, o limite cai para 60, e das 22h a meia-noite, exceto às quintas-feiras, sextas-feiras e sábados, para 50. Durante a madrugada, o barulho não pode ultrapassar os 45 decibéis. A lei atual divide a cidade em zonas, com limites que variam de 35 a 60 decibéis. A secretária diz que o som ambiente mínimo encontrado na capital é de 45 decibéis. As multas também foram abrandadas. Elas variam de R$ 2,5 mil a R$ 180 mil e, com as mudanças, vão de R$ 40 a R$ 40 mil.
Marcos Michelin/EM-3/11/07
Rigor obrigava até açougue a enfrentar burocracia por um alvará
EMENDAS Os vereadores aprovaram quatro emendas e suprimiram dois trechos do texto, que flexibilizam ainda mais o projeto. Por pressão da bancada evangélica, os templos religiosos não são obrigados a ter tratamento acústico. Os eventos da cidade não vão ser regidos pelas normas aprovadas ontem, mas pela Lei 9.063, a Lei dos Eventos. E todos os cidadãos multados à luz da Lei do Silêncio serão anistiados. A secretária explica que esses pontos vão ser analisados pelo Executivo, que ainda pode vetar trechos do projeto. Pelo menos 300 pessoas foram autuadas desde agosto, mas não receberam as multas, que chegam a R$ 70 mil. “Nosso objetivo não era isentá-las, mas cobrar os valores do projeto”, afirma Flávia Mourão. Ela acrescenta que a flexibilização para as igrejas não é razoável: “Os templos têm vizinhos e eles não têm que ouvir todos os cultos o dia todo. É um princípio de respeito”. A produtora cultural Karu Torres comemorou a aprovação do projeto de lei, destacando a importância da flexibilização da legislação. “Na verdade, as mudanças contribuem, em muito, para o setor, pois com o atual limite não daria nem para ver televisão com o volume mais alto. Imagine, então, fazer um evento para um grande número de pessoas. Seria impossível. Agora, há uma chance de o circuito cultural crescer, pois estava impedido de trabalhar”, afirmou.

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