segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Ilhas de Calor


Domingo, 9 de setembro de 2007O Estado de São Paulo - Caderno Metrópole

Ilhas de calor fazem temperatura variar até 12 graus dentro de SP Fenômeno afeta distritos com muitos prédios e poucas árvores e tem contraponto nos 'óasis' frios perto de represas
Alexssander Soares

No auge do veranico deste inverno, em julho, termômetros marcaram em São Paulo, na mesma hora, temperaturas com até 12 graus de diferença. A variação que muitos paulistanos notaram este ano é a mais alta desde que o clima nos distritos da cidade passou a ser monitorado por imagens de satélite. O sobe-e-desce da temperatura é resultado de um complexo fenômeno climático, o das ilhas de calor urbanas.
Essas ilhas são provocadas por fatores como concentração de prédios e pouca arborização. Elevam a temperatura principalmente em bairros do centro e da zona leste. Têm seu contraponto nos oásis 'frios' remanescentes da borda das Represas Billings e Guarapiranga, zona sul, e na Cantareira, zona norte.
'O calor é como uma febre, um sintoma de que a cidade está doente', diz a geógrafa Magda Lombardo, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ela estuda oscilações de temperatura nos bairros da capital desde 1985 e as compara a resultados de outras metrópoles, como Nova York.
As ilhas de calor também são as responsáveis pelas pancadas abruptas de chuva, cada vez mais intensas em regiões como a da Sé e dos Jardins. A poluição, que ajuda a elevar a temperatura, e a retenção de calor pelo asfalto também contribuem para o fenômeno. Tanto que, para Magda, São Paulo é hoje a cidade das pancadas intensas de chuva - e não da famosa, e cada vez mais rara, garoa.'O problema (das ilhas) atinge a todas as classes sociais', alerta a especialista. 'O calor produzido pelo homem e a baixa umidade relativa do ar formam um deserto artificial.'Magda escreveu o estudo Ilha de Calor nas Metrópoles: O Exemplo de S.Paulo, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Ciências, em 1986. Ele indicava que, na época, a variação de temperatura na capital chegava a 10 graus. Desde então, além do aumento de 2 graus em pouco mais de 20 anos, a geógrafa apurou outro dado preocupante. A temperatura média na cidade subiu 1,2% no século passado, ante 0,7% em Nova York.Prédios e desmatamento esquentam centro e periferia. Graças às árvores, locais como os Jardins podem ter até 10°a menos que a Sé
Nos distritos centrais de São Paulo, cobertura de asfalto e paredões de concreto dos prédios. Em pontos mais distantes da zona leste, desmatamento com ocupação irregular do solo. O desenho das ilhas de calor urbanas, com variações inéditas de temperatura de até 12 graus medidas no mesmo horário em pontos diferentes da cidade, acompanha o padrão de crescimento da metrópole a partir da década de 50.'O processo intenso de ocupação praticamente acabou com as casas com jardins no centro. A construção de grandes avenidas também favoreceu a expansão das ilhas de calor em direção aos bairros da zona leste', diz a geógrafa Magda Lombardo, professora da Unesp no campus de Rio Claro.'

CARGA URBANA'
Com base no acompanhamento que faz das variações de temperatura na capital desde 1985, Magda diz que a especulação imobiliária não leva em consideração a 'capacidade de carga urbana' de cada distrito. 'Se você já construiu um prédio de 20 andares em um quadra, por que construir outro da mesma altura ao lado? A ruptura no padrão de construção imobiliária é necessária para impedir o surgimento de paredões de concreto', afirma a geógrafa.A diferença no método construtivo, combinado com a presença de árvores, é responsável pelas temperaturas de 3 a 4 graus mais baixas registradas em bairros centrais como Santa Cecília e Consolação quando comparados a distritos próximos, como Sé e Bom Retiro. Segundo os estudos da geógrafa, a diferença aumenta bastante - pode chegar a 10 graus - quando se compara esses distritos centrais com bairros altamente urbanizados, mas que têm boa cobertura de vegetação, como os Jardins América e Europa, Pinheiros, Butantã e Morumbi.SP pode abater imposto de quem preservar o verde
Secretaria municipal propõe que benefício seja incluído no Plano Diretor
A Prefeitura quer recompensar proprietários de imóveis que preservarem áreas verdes de São Paulo. O benefício, que pode ser concedido por meio de desconto em impostos ou até pelo reembolso direto, é uma das sugestões que serão apresentadas pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente na discussão do novo Plano Diretor - lei que serve de diretriz para o crescimento da cidade.
'Vamos discutir uma fórmula de pagar pelo 'serviço ambiental'', diz o chefe de gabinete da secretaria, Hélio Neves. 'Ou seja, queremos dividir com a sociedade a manutenção e a preservação das áreas verdes, que trazem benefícios a todos.' A Prefeitura está realizando audiências públicas para fechar as propostas de mudança no plano. O pacote será apresentado no fim do mês para discussão e votação na Câmara. No debate interno sobre o novo plano, os técnicos da secretaria trabalham com o conceito de 'cidade compacta'. 'Nosso foco ambiental será evitar a expansão da cidade. Queremos incentivar a moradia no centro e a ocupação de prédios já construídos. Assim, evitaremos o surgimento de prédios em regiões ainda não exploradas pelo mercado imobiliário. Ao induzir à ocupação das moradias já existentes, evitamos o surgimento de novos paredões de concreto, que só aumentam as ilhas de calor.'Para isso, a secretaria vai lançar ainda a proposta de aumentar a cobrança da alíquota progressiva do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de prédios desocupados. 'Será um importante instrumento para manter a cidade compacta, de aproveitar locais onde a infra-estrutura já está consolidada.'

ÁREAS VERDES
A secretaria promete usar os estudos disponíveis sobre ilhas de calor urbano para orientar projetos de criação de parques lineares e praças na cidade, que tem 246,8 milhões de metros quadrados de áreas verdes. A idéia, no ano que vem, é aumentar em 8,46 milhões de m2 as áreas com vegetação nos pontos 'quentes'. 'Vamos plantar árvores para melhorar microclimas em alguns locais', diz Neves. Ele afirma que a Prefeitura quer plantar este ano 160 mil árvores.A geógrafa Magda Lombardo afirma que vai encaminhar à Prefeitura seus estudos sobre ilhas de calor em São Paulo. Mas diz que, geralmente, administradores públicos e parlamentares ignoram a produção acadêmica para a definição de políticas ou de projetos de lei.Apesar do ceticismo, Magda elogia a proposta da secretaria. 'Concordo que é necessário discutir incentivos fiscais para estimular a consciência ambiental. A prefeitura de Sacramento (Califórnia) conseguiu aumentar em 30% a área verde da cidade depois que deu desconto no imposto territorial. Criei o modelo em conjunto com técnicos do laboratório de Energia e Conservação da Universidade da Califórnia.'

Plantio de árvores variadas ajuda a diminuir o calor, afirma pesquisador
As ruas de São Paulo deveriam ser canteiros públicos. Essa é a sugestão do biólogo Marcos Buckeridge, do Instituto de Botânica da Universidade de São Paulo (USP), para reduzir efeitos das ilhas de calor. 'O poder público deve ter a política de plantar árvore em todo lugar possível.'Buckeridge estuda diversas espécies de árvores para saber quanto elas absorvem de gás carbônico. O objetivo é determinar quais são as mais indicadas para plantio em cidades poluídas. 'O correto é fazer um processo de sucessão ecológica, misturando, por exemplo, cinco espécies de leguminosas: grapuruvu, jacarandá, jatobá, pau-jacaré e sesbânia.'Essas espécies chegam à idade adulta - quando ocorre o pico de absorção - em épocas diferentes. Se as árvores ficassem uma ao lado da outra, diz o pesquisador, uma delas sempre estaria com a capacidade máxima de retirada de gás carbônico. 'Isso manteria a temperatura baixa por mais tempo.'Para incentivar o plantio, Buckeridge recorre a uma equação politicamente correta: 'Árvore baixa a temperatura, diminui a evaporação, puxa gás carbônico e diminui a luz', afirma. 'Cada folha tem entre 50 a 70 mil boquinhas, os estômatos, que abrem de manhã para captação de gás carbônico e só fecham à tarde.'Multidão faz temperatura subir até 2 graus na 25 de Março. Sombras dos prédios da Paulista criam zona fria em plena ilha de calor; carente de áreas verdes, Itaquera sofre com crescimento desordenado

Feriado de 7 de setembro. No início da tarde, o relógio digital da Avenida Paulista indicava 30 graus. Quem se aventurou a andar pelo centro e pela região da Paulista sofreu com as ilhas de calor. O passeio ficou ainda mais sufocante em locais de grande concentração de pessoas, como a Rua 25 de Março, meca do comércio popular.Imagens térmicas geradas por satélites flagraram aumentos de temperatura de até 2 graus provocados pela aglomeração na 25 de Março. A associação local de comerciantes estima que 400 mil pessoas passem pela região em dias de grande movimento. 'Só essa multidão já produz um calor incrível', afirma a geógrafa da Unesp Magda Lombardo.As diferenças no microclima urbano têm sido cada vez mais perceptíveis para os moradores e freqüentadores das áreas 'quentes' centrais. 'Está muito sufocante, e sinto cada vez mais diferença na temperatura quando volto para casa, no Jabaquara', disse Isabel, dona, há 20 anos, de uma banca de jornal na Paulista - ela não quis dar o sobrenome, alegando ter medo de que fiscais da Lei Cidade Limpa inspecionem a banca.Ali perto, os moradores do Edifício Nações Unidas sofrem com outro fenômeno, o dos cânions urbanos. A sombra de edifícios construídos muito perto uns dos outros cria zonas frias no meio das ilhas de calor. 'A situação da Paulista, que era um 'corredor de vento', foi alterada com a construção de prédios altos. O choque da mudança das áreas de calor para as de sombra provoca sonolência e deixa as pessoas com os olhos lacrimejantes', diz Magda.As interferências no clima não prejudicam só as áreas mais centrais. Em Itaquera, na zona leste, a formação de ilhas de calor não tem tanto a ver com prédios. O bairro é vítima do crescimento desordenado e do desmatamento.Os novos eixos viários também contribuíram para o aumento do calor na região. 'A zona leste tem uma concentração cada vez maior de construções e muito pouca contrapartida de criação de áreas verdes', adverte Magda.Morador de Itaquera há 20 anos, o inspetor de alunos Alecsandre da Silva Rodrigues, de 32 anos, ainda consegue aproveitar um dos 'oásis verdes' da zona leste. Nas manhãs livres ele corre no Parque do Carmo, ao lado do Sesc-Itaquera. 'Consigo correr de duas a três vezes por semana, o que é bem saudável. Mas vejo as pessoas reclamarem muito do ar seco na região', diz.

SHOPPINGSSe no Brasil as autoridades não parecem estar atentas ao problema, o impacto de construções sobre a temperatura já é uma preocupação no Japão. Estudos encomendados por prefeituras de cidades de até 50 mil habitantes mostraram que shopping centers provocam aumento de cerca de 2 graus na temperatura do entorno. 'A preocupação com a paisagem urbana também avança entre governantes europeus. Lá começa a prevalecer a lógica de aumentar a área de vegetação quebrando o concreto', diz Magda